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Seguir a vida sem partes: Como o autoextermínio influencia a vida daqueles que perdem alguém

“Isolamento social e mudanças repentinas de humor, além da dificuldade de lidar com os próprios sentimentos não são normais, frases de alerta saem de pessoas que pensam no autoextermínio, as pessoas dão sinais, então fique atento” 

Quando alguém decide tomar essa atitude, o caso não acaba ali fica uma série de pessoas aqui, e esses indivíduos precisam  ter uma boa rede de apoio, pois sozinhos é muito difícil lidar com essa dor.

 No processo do luto as pessoas buscam culpados, buscam assumir essa culpa, de que isso aconteceu porque elas deixaram de fazer algo, por que elas não perceberam sinais, e muitos casos é difícil perceber tais sinais.

Aqueles que ficam necessitam de apoio e aí existem grupos que podem trabalhar esse luto em coletivo, com acompanhamento psicoterapêutico individual e o apoio da família mesmo, até porque ninguém tem culpa. É uma doença e necessitamos de políticas públicas para combater. afirma a especialista Jailderliny Pinheiro

Precisamos de conscientização, “temos um histórico de que os doentes mentais eram trancados em manicômios, tratados como indivíduos a parte da sociedade e essa segregação trouxe medo, não gostamos de pensar que as pessoas vão olhar com pena, ter a ideia de ser incapaz porque você não consegue lidar com seus sentimentos ou por que você não tenha o mesmo coeficiente de inteligência que eles, enfim por ser diferente as pessoas preferem não falar sobre o assunto”. 

Lamenta a especialista e completa “quando você se sentir sozinho incapaz de lidar com com seus sentimentos, muito angustiado e com dificuldade de realizar tarefas do dia a dia, e com ideação suicida de fato, é necessário realizar terapia, procurar um serviço de saúde mental consultar-se com um psiquiatra, procurar alguém confiável que possa ajudar.” 

“Isolamento social e mudanças repentinas de humor além da dificuldade de lidar com os próprios sentimentos não são normais, frases de alerta, saem de pessoas que pensam no autoextermínio, as pessoas dão sinais então fique atento a frases como
“eu quero sumir”, “eu não aguento mais” “eu não sei mais o que fazer da minha vida”  isso tudo é sinal de alerta para um possível suicídio. Finaliza a psicóloga. 

Maria de Fátima Sousa Almeida, 40, secretária do lar é mãe de dois e avó, e conta como é sua relação com seus filhos “conheci o pai dos meus filhos muito cedo, com apenas 15 anos tive minha primeira filha e com 20 tive meu segundo, Matheus Sousa de Almeida, que no último dia 16 de janeiro faria 20 anos. O pai deles morreu em 2018, e nós nunca tivemos uma vida fácil, mas nós três sempre fomos muito unidos, falávamos sobre tudo abertamente, éramos amigos, e estávamos um pelo outro, pelo que der e vier. Eles já tiveram que ver muita coisa desde pequenos, brigas entre eu e o pai deles, o pai era alcoólatra e usuário de outras drogas, mas era um bom pai. 

última foto de Matheus com sua irmã e mãe tirada no dia do aniversário de Maria Foto: Reprodução

O Matheus, sempre foi muito sensível, alegre, engraçado, inocente, ah como meu filho era inocente diferente de sua irmã ele perdoava todo mundo muito fácil, aconselhava todos os seus amigos, e era cercado de muita gente que o amava, e juntos tínhamos o sonho de construir nosso império para que nunca mais tivéssemos que contar moedas, que pudéssemos viajar e relaxar juntos.

Ele tinha sonhos e tudo o que fazia era bem feito, fazia planos e para ele, eu e a irmã dele éramos as coisas mais importantes deste mundo. Infelizmente a quase três meses ele decidiu nos deixar, e isso nos tirou o chão. A casa está vazia, o quarto dele está organizado, os sapatos nos mesmos lugares, os irmãos não discutem mais pelo que eles comeram do que era um do outro na geladeira, nós não escutamos mais a gargalhada alta nem os beijos quentes no rosto, não temos mais os abraços confortantes que só ele podia nos dar, não temos mais meu pretinho. 

Hoje temos silêncio, corações partidos, consultas marcadas no psicólogo e psiquiatra além de medicações controladas. Um caminho longo e dolorido até podermos seguir com uma dor mais leve, pois passar nunca vai. 

Gislene Sarmento, 21, psicóloga afirma que quando uma pessoa decide cometer o autoextermínio em muitos casos a maioria nem sabe o por que da decisão, já em outros casos a pessoa se sente excluída, não se sente suficiente, acredita que seus problemas não tem solução, se sentem sufocadas, angustiadas a todo tempo e muitos nem demonstram, os sinais mudam de acordo com a personalidade, situação financeira, cor de pele, e a educação além do relacionamento com a família e amigos. Tudo pode influenciar. 

Todas as pessoas estão sujeitas a doenças psicológicas: extrovertidas, introvertidas, comunicativas ou não, praticamente todas as pessoas têm situações não resolvidas, e podem começam a ter os sintomas e não procuram ajuda, às vezes nem sabem que se trata de um problema psicológico. 

O ser humano precisa se conhecer, para saber quando precisa pedir ajuda, quando o sentimento de vazio não passar, quando o fardo estiver pesado, quando a angústia estiver sufocando, é necessário pedir ajuda.

Homens e o suicídio 

O homem está mais suscetível a cometer o ato, eles têm mais dificuldade em entrar em contato com o sofrimento, principalmente pela criação que nossos meninos têm a famosa frase, “homem não chora”, “o homem tem que ser forte”, “tem que ser o homem da casa” e alguns indivíduos chegam no seu limite de “ser forte”. Enquanto as mulheres conseguem falar mais do que sentem e de quando não estão bem”. finaliza a especialista Gislene.

Samila de Fátima Campos, 22, é secretaria no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, infelizmente perdeu seu pai muito cedo e conta um pouco da sua trajetória “Meu pai e minha mãe nunca chegaram a namorar, já foram logo morando juntos até por que ela engravidou logo. Sempre foi muito trabalhador, nunca deixou faltar nada em casa, nem para minha mãe e menos ainda para mim. Era de sair bastante, beber, tinha muitos amigos e tinha problemas com a bebida. 

Samila com 22 anos é mãe e sente falta do pai, mas vive uma vida tranquila com seu bebê e sua mãe Foto: Rubens

Minha mãe sempre disse que tudo que precisavam meu pai estava lá pra ajudar, não importa o que fosse. Sempre muito falador, conversava bastante e era muito ciumento comigo, até demais.

 Ele trabalhava em uma empresa, e era um ótimo profissional (pelo que dizem). O único problema,era a bebida e sinais de depressão, ele havia planejado tudo só que não só com a vida dele, e sim a minha e da minha mãe, mas no fim ele só tirou a dele. 

Quando ocorreu minha mãe entrou em choque, ela sofreu bastante e até hoje é meio difícil falar, só fala quando eu pergunto. Lá em casa é meio um tabu falar disso, mas quando ela fala ela sempre diz como ele era comigo: carinhoso, ciumento, super pai e amoroso. Aconteceu em 2002, eu só tinha 3 anos de idade, minha mãe disse que eu senti muita falta dele, sendo apenas uma criança e até os 15 anos era difícil falar sobre isso, eu chorava por que nunca entendi o motivo dele ter feito aquilo. 

 Agora  a gente “acostumou” a saber de tudo, eu não esqueci, mas não dói tanto quanto antes. Acho que se não tivesse acontecido minha vida seria completamente diferente, eu teria ido ao cinema com ele, teria conhecido ele melhor, saberia qual a sua cor favorita, teria comemorado o dia dos pais (data que sempre doeu muito). Finaliza Samila

Perfis e saúde mental 

Os perfis de pessoas que podem cometer são variados, depende da vida da pessoa, dos traumas, vivências e experiências. Tem que ser avaliado as defasagens de afeto, de conversa, presença, alguma perda, vícios, e frustrações além de problemas que não conseguiu resolver e se tornou um peso muito grande para carregar. Afirma a psicóloga Jailderliny Pinheiro Nunes, 26. 

Definir um perfil para essa prática é complicado porque se pensa no consciente coletivo de que aquele ser humano é isolado, apresenta tristeza, está sempre sozinho e que dá sinais nítidos, mas isso pode acontecer com aquela pessoa que você nunca imaginou que teve essa ideia, aquele seu amigo que é o mais sorridente na festa, aquele que está sempre disponível para ajudar, aquela pessoa alto astral, e para que possamos evitar que isso aconteça é necessário conversar, falar a respeito, perguntar, a comunicação pode salvar vidas. 

Para ter uma boa saúde mental é preciso cuidar dela, a gente vive muito atordoado com a correria do dia a dia e esquece de olhar para nós, de ter esse momento de contato conosco, respeitar os nossos limites, e entender quais são. Entender quais são nossos gostos, é uma pergunta simples mas difícil de responder muita gente não sabe diferenciar, o que é o gosto dela ou gosto das relações. 

Nesse processo de reconhecimento “do eu” e das minhas limitações e do respeitar esse limite, é um passo primordial para saúde mental, mais uma boa atividade física, boa alimentação, segurança pública, lazer, uma boa educação, contribuem para uma boa saúde mental e nem tudo depende de nós mesmos. Finaliza a especialista 

Jessica Granjeiro, 23, é estudante, ela e suas duas irmãs perderam o pai, “tivemos uma infância e começo de adolescência maravilhosas, pais super presentes e cuidadosos, passeavamos bastante e tínhamos muita comunhão em família. A partir de 2014 as coisas começaram a ficar mais complicadas, meu pai sofreu um acidente no qual perdeu o carro, e, depois disso, parou de trabalhar focando apenas em construir o andar de cima da nossa casa. 

Em 2015 o dinheiro acabou, meu pai começou a demonstrar transtornos tendo, inclusive ameaçado acabar com a própria vida em uma madrugada em que estávamos todos em casa. Depois disso a paz acabou, todos em casa começamos a demonstrar diversos tipos de transtornos como crises de ansiedade e depressão, mas, naquela época, não fazíamos ideia do que estava acontecendo conosco, não buscamos ajuda (inclusive pela situação financeira precária), em 2016 nossos pais começaram um processo de divórcio, o que gerou diversos conflitos e problemas. Eles acabaram desistindo do divórcio, mas, mesmo assim, não tivemos paz em nenhum momento. Nossa família já estava destruída, estávamos todos muito doentes e distantes uns dos outros. 

As granjeiros depois de muito choro e sentimentos de culpa, desfrutam de uma vida agradável ao lado da mãe e tentam recordar apenas dos momentos bons com seu falecido pai Foto: Reprodução

Em 2017, mais uma vez, eles entraram com o processo de divórcio, mas dessa vez foi diferente. Após muitos episódios de agressão vindos dele nós quatro saímos de casa.

No dia que fomos buscar nossas coisas para efetuarmos a mudança, foi o dia que ele faleceu. Não tivemos chance de nos acertar e sequer nos despedir. Tudo foi muito conturbado. Com ajuda de psicólogos, descobrimos que ele provavelmente tinha síndrome de Borderline, além de depressão. Entramos em choque. Tivemos que lidar com toda a dor de um luto multiplicado pela culpa e pelo julgamento das pessoas que colocavam a culpa do ato em fofocas que espalharam sobre nós. 

Hoje estamos bem, procuramos ajuda psicológica após tudo isso, fizemos muita terapia, passamos por todo o processo do luto e, hoje, o que ficou foi a saudade. Lembramos muito mais dos momentos bons do que dos ruins. Finaliza a estudante 

Em 2021, a Secretaria de Saúde registrou 113 óbitos provocados por autointoxicações, automutilações e lesões autoprovocadas. Fazendo uma comparação com os anos anteriores, a pasta registrou 197 óbitos em 2020 e 199 óbitos em 2019.

Na estrutura da SES/DF, um paciente com pensamentos ou tendências suicidas pode ser encaminhado a um ambulatório de saúde mental, a um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou aos serviços emergenciais, dependendo do caso e da avaliação profissional. Além disso, a secretaria afirma oferecer acesso aos serviços de saúde mental especializados para tratamento multidisciplinar, disponibilizando atendimento de urgência e emergência, capacitado os profissionais de diversas áreas para atuar, notificar os casos de forma adequada e, garantir apoio aos enlutados por causas de suicídio.

Serviço:

  • Telefone: 188
  • Emergência: 192
  • CAPS DF:  (61) 2017-1145